quarta-feira, 17 de março de 2010

CURSOS DE PSICOLOGIA A DISTÂNCIA: ESTADO ATUAL E REFLEXÕES



1INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é analisar o estado atual da Educação a Distância nos cursos de graduação de Psicologia no Brasil. Serão consultadas as normativas existentes até o momento e a situação atual de oferta de cursos virtuais. Qual a contribuição da educação virtual para o desenvolvimento da formação de Psicologia no Brasil com compromisso social?

2 A LEGISLAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL

A base legal para a construção da Educação a Distância (EAD) no Brasil foi estabelecida pelo artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), regulamentada pelo decreto n° 5.622 de 20 de dezembro de 2005. O artigo 80 da LDB estabelece:

Art. 80º. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.
§ 1º. A Educação a Distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União.
§ 2º. A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diplomas relativos a cursos de Educação a Distância.
§ 3º. As normas para produção, controle e avaliação de programas de Educação a Distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas.
§ 4º. A Educação a Distância gozará de tratamento diferenciado, que incluirá:
I - custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
II - concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas;
III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais. (BRASIL, 1996) .

O decreto n°5.622 caracteriza a Educação a Distância como uma:

[...] modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. (BRASIL, 2005).

Ficam obrigatórios os momentos presenciais para avaliação, estágios obrigatórios, defesas de trabalhos de conclusão de curso e atividades relacionadas com laboratórios de ensino. A lei também estabelece que a Educação a Distância poderá ser ofertada nos seguintes níveis e modalidades educacionais:

I - educação básica; II - educação de jovens e adultos; III - educação especial; IV - educação profissional, abrangendo os cursos e programas técnicos, de nível médio; e tecnológicos, de nível superior; V - educação superior, abrangendo os cursos e programas sequenciais; de graduação; de especialização; de mestrado; e de doutorado. (Ibid.).

O artigo 3 define que a “criação, organização, oferta e desenvolvimento de cursos e programas a distância deverão observar ao estabelecido na legislação e em regulamentações em vigor” (Ibid.), para os respectivos níveis e modalidades da educação nacional.

Destaca ainda:

§ 1o Os cursos e programas a distância deverão ser projetados com a mesma duração definida para os respectivos cursos na modalidade presencial.§ 2o Os cursos e programas a distância poderão aceitar transferência e aproveitar estudos realizados pelos estudantes em cursos e programas presenciais, da mesma forma que as certificações totais ou parciais obtidas nos cursos e programas a distância poderão ser aceitas em outros cursos e programas a distância e em cursos e programas presenciais, conforme a legislação em vigor. (Ibid.)

O artigo Art. 23. define que a criação e autorização de cursos de graduação a distância de Medicina, Odontologia, Psicologia deverão ser submetidas, previamente, à manifestação do Conselho Nacional de Saúde (CNS); e que a criação e autorização para o curso de graduação em Direito deverão ser submetidas à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Estabelece adicionalmente, em parágrafo único:

A manifestação dos conselhos citados nos incisos I e II, consideradas as especificidades da modalidade de Educação a Distância, terá procedimento análogo ao utilizado para os cursos ou programas presenciais nessas áreas, nos termos da legislação vigente. (Ibid.).

Em uma consulta, por e-mail, feita à Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC), sobre a existência de oferta de cursos de Psicologia a distância - em funcionamento ou autorizados a funcionar - no Brasil, obtivemos a seguinte resposta: “Informamos que até a presente data não há curso de Psicologia autorizado para a modalidade a distância” . Uma situação que pode mudar a qualquer momento.

A Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) criou um Grupo de Trabalho sobre Educação a Distância em setembro de 2007. O objetivo desse grupo é o seguinte:

A missão do GT é elaborar um documento que compile, analise e avalie, de forma ampla, as possibilidades e limites do uso de ferramentas de EaD na formação em Psicologia, servindo de base para discussões na esfera da ABEP que levem a um posicionamento da entidade em relação à questão. (ABEP, 2009).

Em uma consulta por e-mail aos membros do Grupo de Trabalho da ABEP, Eric Calderoni, um de seus coordenadores, informa-nos que o documento final “não foi terminado. Os trabalhos continuam”. O documento inicial do Grupo de Trabalho destaca uma resolução do VI Congresso Nacional de Psicologia:

O VI CNP (na alínea h da tese 62) já se pronunciou desfavorável ao uso da EaD na formação inicial (graduação). O fato é que a EaD vem sendo francamente usada na formação inicial de professores e em cursos de pós-graduação lato sensu em Psicologia, Pedagogia e outros. Essa discussão é correlata à proposta pelo Deputado Abicalil em seu parecer. (Ibid.). Grifo nosso.

Na atualidade, já existem diversos cursos virtuais de graduação na área das ciências humanas e sociais em nosso país. Como exemplo, temos os cursos de Pedagogia e de Serviço Social, que podem ser localizados por meio de uma busca rápida na internet. A realidade normativa sobre o tema indica-nos uma direção. Os cursos tradicionais de Psicologia no Brasil indicam-nos outra. O conflito ou a resistência que há em nossa sociedade, em relação à realidade virtual, é evidente, pois até o momento, não existem credenciamentos de cursos a distância de Psicologia no MEC.

3 A REALIDADE ATUAL DO ENSINO DE PSICOLOGIA NO BRASIL

As Sinopses Estatísticas da Educação Superior referentes à graduação, realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) , indicam-nos que, em 2008:

[...] o aumento do número de vagas oferecidas não foi acompanhado por um crescimento proporcional no número de ingressos [...], resultando no aumento das vagas ociosas em quase todas as categorias administrativas. (INEP, 2010).

Como em todos os cursos de graduação existentes no Brasil, a maior oferta de cursos de Psicologia vem do setor privado. O custo total das mensalidades de um curso de graduação de Psicologia, com duração de cinco anos, varia entre R$36.000,00 (os mais baratos) a R$72.000,00 (os mais caros). O aumento da oferta de cursos de Psicologia pelo setor privado, ao longo da última década, fez com que muitas escolas tradicionais (Centros Universitários e Universidades) reduzissem sua oferta e dispensassem diversos professores, de maneira contínua.

Outro aspecto agravante desse quadro é o índice de concluintes nos cursos superiores das instituições privadas no Brasil. Segundo dados do INEP (Ibid.): “As instituições privadas, como nos últimos anos, apresentaram o menor percentual de conclusão nos cursos de graduação presencial em 2008, com 55,3% de concluintes [...]”.

Dados apresentados pelo professor Dilvo Ristoff, do INEP, com base no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), no VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (ABEP), ocorrido entre os dias 6 e 9 de setembro de 2007 em Belo Horizonte – Minas Gerais, indicam-nos que os alunos dos cursos de graduação de Psicologia apresentam as seguintes características:

Enquanto 50% da população brasileira têm renda até três salários mínimos, na Psicologia temos apenas 27% dos ingressantes e 14% dos concluintes inclusos nessa faixa; se tomarmos a faixa de 10 salários mínimos, onde estão concentrados apenas 11% da população brasileira, teremos entre os ingressantes 27% e entre os concluintes, quase 40%; 76% são brancos (no dado geral de todos os cursos, têm-se 70% de brancos); 3,2% são negros;35% vieram do ensino médio feito em escola pública. (citado por BOCK, 2010).

De acordo com a psicóloga Ana Mercês Bahia Bock, o perfil do estudante no Brasil é o seguinte: “Assim, podemos saber que a Universidade no Brasil tem cor, e é branca; a Psicologia tem cor, e é branca; a Universidade é dos mais ricos, e na Psicologia, também”. (Ibid.). Outra constatação de Bock: “Os jovens que entram nas escolas superiores nem sempre conseguem concluir seus cursos, com certeza em virtude das dificuldades para arcar com os custos envolvidos”. (Ibid.).

E um paradoxo é apontado pela autora com relação às escolas privadas: as “[...] escolas privadas, em sua maioria, precisam ter seus custos reduzidos para que sobrevivam. E isso, já sabemos como é feito: com prejuízo da qualidade do ensino”. (Ibid.). Grifos nossos.

O cenário atual da formação de psicólogos no Brasil é complexo. Temos uma formação elitista que favorece os ricos. Por outro lado, uma educação de qualidade questionada, devido à redução de custos das escolas privadas. Como vimos pelos indicadores, as escolas privadas respondem pelo grande contingente de formação de nível superior.

Podemos mudar esse cenário? Uma coisa é certa na maioria dos estudos sobre a educação brasileira: o Brasil precisa investir mais na educação de sua população para atingir as atuais metas de crescimento. Numa perspectiva atual e futura, a Educação a Distância tem um lugar especial: o de favorecer aos mais pobres o acesso à educação. 

No caso da Psicologia, se queremos uma formação com compromisso social temos que abrir nossas mentes e ideologias à Educação a Distância. Como nos afirma Bock: “Por fim, o projeto do compromisso social. Nossas escolas têm mantido uma tradição da Psicologia de se manter de costas para a realidade social”. (Ibid.).

4 O QUADRO ATUAL DA EAD NO BRASIL

De acordo com matéria publicada na revista Nova Escola de novembro de 2009, entre os anos 2000 a 2008, a Educação a Distância cresceu 45.000%. Em 2008 eram mais de 700 mil alunos matriculados em cursos a distancia de graduação e pós-graduação no Brasil.


De acordo com o INEP, no Censo da Educação em 2008, a EAD no Brasil apresentava os seguintes dados:

115 instituições ofereceram, em 2008, cursos de graduação a distância; o número de cursos de graduação a distância aumentou de maneira significativa nos últimos anos; o total de matrículas apresentou um crescimento alto nos últimos anos e, em 2008, chegou ao número de 727.961 matrículas, quase dobrando o número de matrículas em relação ao ano anterior; a quantidade de concluintes em Educação a Distância também apresentou um forte aumento de 135% em relação ao ano de 2007. (INEP, 2010).


Assim, verificamos que a EAD no Brasil é uma realidade que veio para ficar. Neste artigo, não temos interesse em apresentar tecnologias de plataformas de EAD existentes no mercado. São inúmeras e eficientes ferramentas. São ambientes educacionais virtuais similares aos ambientes virtuais de trabalho, que já são uma realidade em muitas empresas existentes no país. O aluno que desenvolve sua formação virtual é um aluno que também aprende a trabalhar virtualmente. As tecnologias estão aí. As gerações mais novas estão bastante envolvidas com elas. Mas, a educação no Brasil, de uma maneira geral, é fechada para a sociedade ou, como nos diz Ana Bock, a educação está "de costas para a realidade social”.


Muitas vezes, aponta-se que o problema da EAD é a falta de qualidade. Mas podemos observar pelos números do ENADE que esse é um problema tanto da educação presencial como da educação virtual. Algumas escolas têm sido descredenciadas, sejam presenciais ou virtuais. O Ministério da Educação lançou em seu portal o Sistema de Consulta de Instituições Credenciadas para Educação a Distância e Polos de Apoio Presencial. Trata-se de uma ferramenta importante para que professores, alunos e gestores, possam acompanhar e avaliar a situação de cada curso.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estado atual da formação em Psicologia no campo da Educação a Distância no Brasil é ainda incipiente. Apesar da legislação favorável à existência de cursos de graduação de Psicologia, ainda não temos uma única oferta. Será que existem projetos pedagógicos nesse sentido nos cursos de graduação presenciais de Psicologia no Brasil? Porque as discussões não avançam?

A educação no Brasil tem, necessariamente, de melhorar muito para que o país possa continuar crescendo. O cenário tecnológico e legislativo é favorável à Educação a Distância. Os psicólogos querem uma formação com compromisso social. A realidade virtual promove mais acesso de pessoas pobres ao ensino superior. Significa acesso de pessoas pobres à Psicologia, enquanto ciência e profissão. Nesse sentido, estamos falando de compromisso social da Psicologia no Brasil. E esse compromisso passa pela Educação a Distância. Nossa tarefa, enquanto psicólogos e docentes, é incrementar o debate e acompanhar a oferta de cursos virtuais de Psicologia em nosso país. Vamos ao debate?

REFERÊNCIAS



ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DE PSICOLOGIA (ABEP). Grupo de Trabalho sobre Educação a Distância da ABEP. Disponível em: http://www.abepsi.org.br/web/educacao_distancia.aspx Acesso em: 15 mar. 2009.


BOCK, Ana Mercês Bahia. Reforma universitária: alguns critérios para análise. Disponível em: http://www.abepsi.org.br/web/artigos.aspx Acesso em: 15 mar. 2009.


BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional: Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf Acesso em 15 mar. 2010.


______. Decreto 5.622 de 19 de dezembro de 2005. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5622.htm Acesso em 15 mar. 2010.


CALDERONI, Eric. (e.calderoni@alumni.lse.ac.uk). Mensagem recebida por Carlos Denis de Campos Pereira em 22 dez. 2009.

INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopses Estatísticas da Educação Superior. Disponível em: http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/sinopse/default.asp Acesso em: 15 mar 2010.


MARTINS, Ana Rita; MOÇO, Anderson. Educação a Distância vale a pena? Rev. Nova Escola, São Paulo, n. 227, nov. 2009. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/vale-pena-entrar-nessa-educacao-distancia-diploma-prova-emprego-rotina-aluno-teleconferencia-chat-510862.shtml Acesso em: 15 mar. 2010.


MINISTÉRIO DA EDUCACAÇÃO. Sistema de consulta de instituições credenciadas para educação a distância e polos de apoio presencial. Disponível em: http://siead.mec.gov.br/ Acesso em: 15 mar. 2010.


SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (seedregulacao@mec.gov.br). Mensagem recebida por Carlos Denis de Campos Pereira em 28 dez. 2009.